sábado, 24 de abril de 2010

O rebanho segue fiel

Em meio a escândalos de pedofilia, fiéis negam mudar seu relacionamento com a Igreja Católica.
O jornal americano The New York Times afirmou que o Vaticano tinha conhecimento, mas não tomou nenhuma providência sobre o caso do reverendo Lawrence Murphy. De acordo com a reportagem, o reverendo teria abusado sexualmente de 200 crianças surdas de uma escola de Wisconsin, entre 1950 e 1974. Na época, o cardeal Joseph Ratzinger, atual papa Bento XVI, era chefe da Congregação para Doutrina da Fé, e, portanto, responsável por tratar de questões disciplinares da Igreja. Porém, a notícia não era nova: em 2006, foi publicada pela BBC a mesma acusação de acobertamento do Papa em relação a outros casos de pedofilia. Na mesma época, o canal de notícias divulgou um documentário tratando sobre o tema: Abusos Sexuais e o Vaticano.

Em cinco anos de papado, Bento XVI protagonizou uma série de polêmicas como a citação de um comentário depreciativo sobre o Islã em uma palestra em 2006 – irritando os muçulmanos; o apoio para a canonização do controverso Papa Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial e, em 2009, a tentativa de reabilitar um bispo que nega o Holocausto. Frente a mais um panorama de escândalo, a Igreja enfrenta acusações da mídia e até mesmo de membros dela, como é o caso de Hans Küng, contemporâneo de Ratzinger e teólogo suíço, que afirma ser essa a “pior crise de credibilidade desde a Reforma.” Uma desmoralização da Igreja é posta em cogitação e com ela uma possível crise com seus fiéis.

Ao contrário disso, há quem pense que o escândalo é fruto apenas de um sensacionalismo midiático e que os fiéis não vão se abalar. É o que diz Padre Antônio Silva, Juiz do Tribunal Eclesiástico de Aparecida, em entrevista concedida para essa reportagem: “Certamente existe sensacionalismo. É lamentável que se empregue a comunicação pondo em destaque abusos como abortos, traições, trapaças e tantas outras misérias, desanimando o que é útil e bom. De tanto ter que ver a sujeita, a gente começa a ter medo de ser limpo. Mas isso interfere muito pouco nos cristãos normais, eles já viram e continuam vendo tantas falhas tão ruins em nossa sociedade como assassinatos, infidelidades, assaltos, roubos, guerra de drogas, que sabem que ser bom em algumas horas dá trabalho, mas ser honesto é preciso, ser heróico e chegar à santidade capaz de colocar como modelo no altar é raríssimo. Sendo inteligente conseguimos distinguir a liberdade de ser bom, sabendo também quantas vezes erramos diariamente. Basta abrir os olhos para ver o bem e o mal.”

Do mesmo modo, ao ser questionado sobre o que achava da polêmica, Antônio Carlos Piantino, 52 anos, freqüentador da Paróquia de São João Batista há 22 anos, declara: “O padre não é um deus, é um homem sujeito a todas as fases, todos os erros humanos. Às vezes temos aquele pensamento que nem condiz com a formação da gente, tem que tomar muito cuidado. Acontece com padre, com quantos outros também não acontece? A mídia não tem espaço pra falar de todo mundo, então fala de uma classe que gera notícia, vende. É bom quando gera discussão e as pessoas podem aprimorar normas. A Igreja tem que ter um papel mais forte em relação a isso. Acho que tem que assumir essa responsabilidade, tirar fora quem comete abusos.”

Lúcia Goulart, 47 anos, acredita que a crise é um problema da Instituição, que não tem trabalhado bem com os abusos sexuais cometidos pelo clero: “Eu mesma já acompanhei um caso de um noviço nesses termos e fiquei decepcionada em como a coisa foi cercada, excluída, não informada. Isso fez com que eu me afastasse um pouco da participação mais ativa enquanto leiga que participa das atividades de movimento, mas não questionei a minha fé. Agora, com certeza isso motiva alguém que já tem um problema coma Instituição, que não entende muito bem o que é a instituição, religião, fé. Acho que diferentemente do Papa João Paulo II, que era aberto à comunicação, o atual Papa é mais interessado em qualidade e não quantidade de fiéis. Ele é muito germânico, intelectual, não é aberto à comunicação. Talvez com a crise isso mude, acho que vai ser bom.”

Para amenizar a situação, Bento XVI tem reforçado sua política quanto ao assunto, estimulado as denúncias de casos, tratando-os com mais severidade, além de visitar vítimas de abusos, buscando, talvez, o carisma que ficou no papado anterior.

*Resolução de pauta - Trabalho de Jornalismo Básico I

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Todas as margens

Me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro - o rio.

Em sua análise sobre o conto A Terceira Margem do Rio, de João Guimarães Rosa, Luiz Costa Lima diz que o Pai do narrador coloca-se “no centro, na raiz proibida ao humano”, ou seja, ele morre e aceita sua vez de partir. Essa atitude é incomum, pois o conceito de morte e o que vem após ela, além da aceitação de abrir mão da vida sem relutância extrema e é inconcebível em termos de razão humana. Essa mesma razão é limitada pela impregnação mágica estilística contida na história. Em vez dessa magia apenas introduzir um universo aquém do possível imaginável, ela demonstra uma racionalidade radical de quem não aceita partir para a terceira margem, uma margem do Além. É nesse ponto que o narrador para, não aceitando a troca proposta dos lugares e mantendo “o seu compromisso com o reino do humano, onde persiste no desconhecido da insegurança.” Sendo assim, existe um duplo comprometimento com o esse reino: o personagem é mortal e efetivamente morre, cumprindo seu ciclo vital; mas não encara a vez de morrer, persistindo no desconhecido da insegurança que aflige todos os pertencentes à margem real do rio, a da vida.
É para se chegar nesse ponto - o da morte do personagem Filho, que Walnice N. Galvão, ainda sobre o mesmo conto, diz que “tem-se que encarar nossa vez de morrer, mas detendo a opção, não de não morrer, mas de não encarar a nossa vez de morrer”, completando ainda que “esta última é a que o narrador faz”, ou seja, ele morre – inevitavelmente como todos os humanos, e como a maioria deles, não encara sua vez de partir. Essa explicação de Walnice deixa inevitável o entendimento de uma mensagem possível do conto: todos nós morreremos e não obtemos a possibilidade de assim não o fazer, o que está ao nosso alcance é apenas aceitar ou não esse momento, como fizeram o pai e o filho, respectivamente.
Sendo assim, podemos perceber que ao tratarem desse conto de João Guimarães Rosa, Luiz Costa Lima e Walnice N. Galvão tomam posições de confluência, apesar de não expressadas com as mesmas palavras: ambos analisam os personagens por sua habilidade de aceitar ou não sua conclusão do ciclo vital, concordando que a atitude primeira do Pai é contrária à reação final do filho.


*Esse texto é um trabalho baseado no conto A Terceira Margem do Rio, presente no livro Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa, e nas análises do mesmo feitas por Walnice N. Galvão e Luiz Costa Lima.