sexta-feira, 18 de junho de 2010

Les Liaisons Dangereuses

[Esse texto contém spoiler]

Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons), filme de 1988 dirigido por Stephen Frears, pode ser considerado como uma versão fiel do clássico da literatura francesa em que se baseia: Les Liaisons Dangereuses, de Pierre Chordelos de Laclos.


Produzido quase dois séculos após a publicação do livro, o filme retrata as relações entre integrantes da aristocracia francesa do século XVIII. Seus principais personagens são corrompidos moralmente e agem de forma libertina, alguns desde o princípio, outros, levados pelo mesmo caminho conforme progride a trama.

A caracterização por meio dos cenários e dos figurinos tem papel fundamental no resgate da época. As imagens acrescentam à história, na qual em forma epistolar só permite a existência dos personagens conforme existe diálogo. Assim, facilita o fluxo das ações. Os espartilhos, a peruca e pó de arroz, entre outros apetrechos, fazem uma inigualável analogia à importância da aparência para o grupo aristocrático, ligação oposta ao caráter do mesmo.

Ao passo que o livro começa com uma carta de Cécile Volanges (interpretada no filme por Uma Thurman), sua versão cinematográfica começa com um primeiríssimo plano da Marquesa de Merteuil (Glenn Close), principal arquiteta das intrigas que virão. Esse detalhe já mostra um pouco da direção do filme, que se volta mais aos vilões e suas artimanhas do que aos inocentes que por aqueles são manipulados.

Outro personagem importante para a peça é Visconde de Valmont (John Malkovich), antigo amante da vilã e executor dos planos dela. Ele é encarregado de desvirtuar a despreparada Cécile, que até então estava encaminhada a seu casamento, mas apaixonada por outro rapaz: Danceny (Keanu Reeves). Porém, Valmont tem outro plano, o qual acredita valer mais o seu empenho: conquistar a Presidenta de Tourvel (Michelle Pfeiffer), mulher casada, fiel e de boa conduta.

A obra literária trabalha por meio das 75 cartas dos personagens, reunidas em 319 páginas. Devido à isso, tudo indicaria uma maior veracidade dos acontecimentos narrados, isto é, se a história não fosse planejada por dois imorais, que utilizam a retórica a seu favor. Quanto a essa observação, o filme trouxe agilidade para a história, que se passa na duração de 120 minutos, além de mostrar de forma mais imparcial características do enredo e melhor entendimento dos sentimentos das personagens.

Esse é o caso da dupla de maior destaque. No filme, fica mais claro o amor de Merteuil por Valmont, além de destacar a diferença de personalidade entre os dois: Valmont sucumbe ao amor sem controle por Tourvel, vacilo inaceitável para a marquesa, que se revolta e declara guerra.

Apesar de serem consideradas fiéis aos escritos de Laclos, as filmagens de Stephen Frears suprimiram alguns personagens, como é o caso de Sophie Carnay e Prévan. Ele também mudou o nome do pretendente de Cécile Volanges, originalmente chamado Gercourt, que passou a ser Bastide. Além disso, algumas alterações no enredo foram feitas, como o destino de M. de Merteuil, e de outros que são simplesmente omitidos.

A escolha do elenco tem seus motivos. Ao ser criticado por sua escolha americanizada do grupo de atores principais, Frears declara que “o filme é sobre pessoas lidando com sentimentos – ou não lidando com eles – e atores americanos interpretam sentimentos maravilhosamente, especialmente em close up.” Essa escolha se revela coerente ao se apreciar Uma Thurman sendo persuadida, John Malkovich furioso e Glenn Close declarando guerra, entre outras cenas memoráveis.

O desenlace é trágico para todos nesse teatro de títeres, tendo um desfecho moral ambíguo, como considera Todorov. Afinal, não somente os libertinos são punidos, mas também os que por eles foram levados a falhas. Nenhum deslize é perdoado e nenhum perdão impede as terríveis conseqüências.

O filme acaba após Madame de Merteuil ser vaiada publicamente, quando todos já sabem de seus feitos. A última cena acontece em seus aposentos, enquanto ela retira sua maquiagem. Talvez alguns achem que o final proposto não fez jus às mazelas que deveriam sofrer os libertinos, mas sem dúvida foi pertinente para mostrar que nada sobrou para eles: ao final da Ópera, de nada mais vale o pó de arroz. Em outras palavras, a máscara cai.


sábado, 12 de junho de 2010

Adriano Vilas Bôas

Ele teve a coragem de deixar a estabilidade da advocacia para subir nas cordas bambas do teatro. Começou fazendo o que naturalmente já faz: despertando sorrisos com seu bom humor. Passou pelo teatro, participou de vídeos independentes e agora atua em Gangbang, programa da MTV no qual interpreta um personagem muito parecido com ele mesmo. Adriano fala de teatro, TV, nonsense, originalidade e seu novo projeto.

Por que você deixou o Direito para se voltar ao teatro? Foi algo consciente na época ou aconteceu naturalmente?
No último ano da faculdade eu fazia estágio em um escritório. Aquela rotina de trabalho e as pessoas com quem trabalhava me fizeram perceber que não conseguia me imaginar trabalhando em nenhuma área do direito, o que eu tentava me convencer desde o primeiro ano de faculdade, de que descobriria uma área com a qual me identificasse e teria prazer. Coincidiu de começar um curso de clown logo no início do quinto ano, o que abriu as portas do teatro para mim. Assim que me formei em Campinas tive que voltar para Jacareí e lá, através de um amigo de meus pais que tinha um grupo, comecei a ensaiar peças e conheci outras pessoas do meio teatral da cidade.

O que é mais gratificante como ator: teatro ou televisão?
Como ator, acho que você se expressa de verdade no teatro. A televisão, desde o formato às exigências de anunciantes, remete muito mais a um produto/imagem do que a algo artístico. Por isso deve ser muito mais elaborada e pensada para poder ser algo de qualidade.

Você se inspira em alguém pra estimular sua criatividade?
Me inspiro em diversos criadores, atores e diretores. Gosto muito de Andy Kaufman, Monty Python, Tim an Eric, Zac Galafinakis, Andy Sandbert e todo o Lonely Island, Human Giant, Will Ferrel, Jim Carrey... Como ator gosto muito também de Louis Garrel, Louis Pierr Léad, atores que fazem personagens muito próximas de suas realidades e possuem características fortes, que sempre agregam às personagens que interpretam. Pretendo estudar mais arte dramática para poder me dedicar a personagens mais complexas e que me satisfaçam mais como ator.

Como surgiu a idéia do programa Gangbang?

O programa surgiu da vontade de fazer um algo extremamente surtado, que vinha das idéias que todos tínhamos na época, das coisas que vínhamos assistindo e a rotina que vivemos. Os quatro atores principais são da Trintaeum Filmes e moramos juntos, além disso, existe um "elenco fixo" que sempre participa. O primeiro programa para o Portal MTV terá quase 10 minutos e será uma única história, quase um curta, só que com a linguagem nonsense, bastante auto-referência aos demais episódios, muita metalinguagem e atores interpretando a si mesmos.

O nonsense do programa foi uma escolha também sem sentido?
O nonsense foi uma escolha natural, inconscientemente ligada ao mundo contemporâneo, da construção da identidade através da imagem e claro, devido às referências e coisas que vínhamos assistindo na época. Hoje, com essa atual temporada que estamos produzindo, vejo que o nonsense foi incorporado de forma orgânica na criação dos roteiros. Ou seja, ele faz sentido enquanto nonsense, os esquetes passaram a ter começo, meio e fim, não necessariamente nessa ordem, nem com a noção tradicional de ação e reação.

Nos anos 70, Monty Python fazia uma série cômica que já apresentava grande teor de nonsense e influenciou muitos outros programas, inclusive brasileiros, como Casseta e Planeta Urgente! e Tv Pirata. Você acha que o Gangbang se espelha nesse padrão e em que proporções ele é original?
O Gangbang tem inspiração direta do Monty Python, programa que na época aparentava ter esgotado todas as possibilidades do formato de esquetes de humor para televisão em forma e conteúdo. Trabalhando no Comédia MTV, percebi que o Gangbang tem uma estética e processo de produção muito mais próximos do cinema do que da TV: filma-se plano por plano, diversas vezes, sempre tendo o cuidado de arrumar as luzes para a fotografia em cada cena. Sendo que, no Brasil, já que o cinema existe graças às leis de incentivo, a indústria televisiva tem um processo muito mais insano de produção, no sentido de que tudo que existe um prazo para entrega, faz com que a produção tenha que ser muito rápida. Sendo assim, o Gangbang é original na medida em que não se prende aos formatos do Brasil, e também não se limita às suas referências, já que existe um foco assumido de se buscar a sinceridade do que é dito. Todos os integrantes sempre se cobram naquilo que propõem, defendem suas idéias, mas buscam não ser presos a elas. Nos deixamos ser convencidos pelos outros quando os argumentos são coerentes.

Você acha que a originalidade é possível de que maneira?
Vejo as referências como inspiração direta para a criação, o que diferencia de cópia é o fato de se apropriar das referências, torná-las parte do seu processo de criação, para então resignificá-las com suas características e forma de pensar, sempre priorizando a sinceridade daquilo que é dito, se isto é algo que te pertence. Aí, o resultado final, será uma mistura de tudo aquilo de que você gosta e se inspira de forma natural, menos pensada.

Pra você que sabe como funcionam as produções independentes, o que muda quando vê seu trabalho veiculado pela MTV?
Quando vejo o programa sendo veiculado pela MTV, sei que ele terá um alcance muito maior e que poderá ser visto por muito mais pessoas, e justamente por esses motivos, teremos que, enquanto produtores independentes, encontrar meios de se adequar a um sistema e formato sem perder a identidade.

Querô - uma reportagem maldita, peça de Plínio Marcos, é bem forte e dramática, diferente do Gangbang. Você tem alguma preferência de gênero?
Como público gosto de todos os gêneros. Como ator, prefiro a comédia, onde utilizo muito da minha personalidade na construção das personagens e situações que são plausíveis com minha realidade. No caso de Querô, o personagem tinha um perfil muito próximo também, mas não é algo que goste muito. Prefiro criar os textos em que atuo, ou atuar em textos que tenham sido criados por alguém que conhece minhas qualidade e limitações.

É mais difícil expor críticas com o humor?
Acho o humor a melhor ferramenta para expor críticas, seja quais forem. É o único lugar onde podemos rir do quanto idiota somos, na pretensão de se criticar algo ou alguém, e através dessa brincadeira fazer surgir a crítica em si. Enquanto ator, penso que somente através do humor podemos proporcionar ao público a experiência de rirem de si mesmos através do outro e dessa experiência de troca.

Poucos canais têm espaço para produções que não geram lucro. Você acha que o fator produto limita a arte?
O fator produto limita bastante a arte, e por isso vejo como um desafio a oportunidade de se educar o público para um conteúdo diferente do usual, para assim, com o tempo, possa ser um produto que atraia anunciantes (gere lucro) e tenha uma finalidade artística. Aproveitando assim, essa abertura cada vez maior da televisão para conteúdos que sejam ousados criativamente. Vide a evasão de roteiristas e atores de Hollywood para as séries de TV. O cinema está cada vez mais preocupado com o lucro, limitando assim o conteúdo dos filmes. Pensando na lógica: quanto mais caro é o filme, mais público ele precisa ter para poder obter lucro, sendo assim, quanto mais caro um filme, mais acessível ao público ele terá que ser. O mais loco é que é em Hollywood, o único lugar no mundo em que existe uma indústria de cinema onde se faz filmes independentemente da ajuda estatal - esses filmes grandes, que é gerado muito lucro, e proporciona a experimentação em projetos menores e mais ousados, que vão aos poucos sendo incorporados pelo público e com o tempo se transformam em mainstream. Parece ser um movimento cíclico.


Trintaeum Filmes GANGBANG
Programette 03 Temporada 01
"Piada"

Gangbang no Portal MTV
Trintaeum Filmes
CINEMÓIDE

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Luís Augusto May: o jornalista que fez arder o Império

Quando se diz acerca dos negócios do Estado: Que me importa? Deve-se contar que o Estado está perdido”
Jean-Jacques Rousseau
Luís Augusto May foi um importante jornalista na época da Independência e do Império no Brasil. O lisboeta nasceu em 1782, e com 16 anos alistou-se nas forças armadas de Portugal, chegando a se tornar capitão de artilharia. Estudou em Coimbra como seminarista e fez parte do Batalhão Acadêmico, resistência à ocupação francesa no país. May foi funcionário da Secretaria da Legação Estrangeira em Londres antes de vir ao Brasil, em 1810, trabalhar como intérprete dos trabalhadores suecos da Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, em Sorocaba, interior de São Paulo.


Ao final do ano de 1821, o Brasil vivia um cenário político instável. As Cortes portuguesas lançavam decretos a fim de submeter o país novamente a Portugal, com a retomada do pacto colonial e retorno do príncipe regente à capital lusitana. Porém, isso já não era mais possível, pois a população que aqui vivia já havia tomado gosto pelo comércio, pela relativa liberdade e principalmente pelo poder da imprensa. É nesse fervor que, em 18 de dezembro, surge o último jornal desse mesmo ano: A Malagueta, obra de Luís Augusto May.


Tratava-se de uma publicação em primeira pessoa e direcionada ao imperador D. Pedro I. Era independente do Revérbero Constitucional Fluminense e do Grupo dos Andradas, que dominavam a imprensa carioca e funcionavam com aval do governo. Até por isso, o feito de um homem comum como Luís Augusto May é considerado muito importante para as proporções da época: conquistou 500 assinaturas na Corte, se tornando o jornal de maior circulação.

Como era de costume do jornalismo daquele período, a informação era colocada em segundo plano em detrimento das opiniões – e o despertar destas é o fator que mobilizaria a população para unir-se contra as atitudes de recolonização, e por isso a imprensa teve um papel muito importante no processo de independência. No caso da Malagueta, essas opiniões refletiam o estilo de seu realizador, “cheio de circunlóquios, de observação de duplo sentido, de falsa subserviência”, como descreve Isabel Lustosa, em seu livro Insultos impressos. Em seus textos concentravam críticas liberais ao governo, principalmente a José Bonifácio, velho conhecido dos tempos de Batalhão Acadêmico. Esse posicionamento, na maioria das vezes irônico e provocante, somado ao caráter ambicioso – “May gostava de um cargo público, de uma condecoração”, já diria Lustosa - lhe renderia algumas retaliações futuras.

Exemplo disso foi o fato que não demorou a acontecer: May teria tirado a Malagueta de circulação com o objetivo de ser nomeado a um cargo no exterior. Não obtendo sucesso, ameaçou voltar com a publicação, em oposição ao governo. Assim, se deu início à uma série de desavenças com outro jornal: O Espelho, no qual o próprio imperador escrevia sob pseudônimos. Em uma das publicações envolvidas e de possível autoria de Dom Pedro, era questionado o caráter do opositor, além de denunciar um relacionamento homossexual com o Conde das Galveias e acusá-lo de furtar documentos do Conde de Funchal. Não bastando, o violento ataque ainda descrevia, em linguagem chula, as características físicas do mesmo. O caso não acabaria por aí. Ao revidar com a Malagueta nº2 (em 5 de junho 1822), May foi espancado em sua própria casa, no dia seguinte à publicação.

Essa não seria a última represália sofrida por ele. Em agosto de 1829, sofreu outra agressão quando estava andando na rua, acompanhado de Cunha Matos. Nessa ocasião, Luís Augusto May era deputado, cargo que exerceu duas vezes em sua vida: em 1826 e em 1829. A última malagueta circulou em 31 de março de 1832 e, após as repressões sofridas por seu realizador, não foi mais a mesma, sua visão política estava mais branda. Luís Augusto May faleceu com 68 anos, em 1850, no Rio de Janeiro.

*Trabalho de História da Comunicação - Perfil de personagem da imprensa