sexta-feira, 16 de abril de 2010

Todas as margens

Me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro - o rio.

Em sua análise sobre o conto A Terceira Margem do Rio, de João Guimarães Rosa, Luiz Costa Lima diz que o Pai do narrador coloca-se “no centro, na raiz proibida ao humano”, ou seja, ele morre e aceita sua vez de partir. Essa atitude é incomum, pois o conceito de morte e o que vem após ela, além da aceitação de abrir mão da vida sem relutância extrema e é inconcebível em termos de razão humana. Essa mesma razão é limitada pela impregnação mágica estilística contida na história. Em vez dessa magia apenas introduzir um universo aquém do possível imaginável, ela demonstra uma racionalidade radical de quem não aceita partir para a terceira margem, uma margem do Além. É nesse ponto que o narrador para, não aceitando a troca proposta dos lugares e mantendo “o seu compromisso com o reino do humano, onde persiste no desconhecido da insegurança.” Sendo assim, existe um duplo comprometimento com o esse reino: o personagem é mortal e efetivamente morre, cumprindo seu ciclo vital; mas não encara a vez de morrer, persistindo no desconhecido da insegurança que aflige todos os pertencentes à margem real do rio, a da vida.
É para se chegar nesse ponto - o da morte do personagem Filho, que Walnice N. Galvão, ainda sobre o mesmo conto, diz que “tem-se que encarar nossa vez de morrer, mas detendo a opção, não de não morrer, mas de não encarar a nossa vez de morrer”, completando ainda que “esta última é a que o narrador faz”, ou seja, ele morre – inevitavelmente como todos os humanos, e como a maioria deles, não encara sua vez de partir. Essa explicação de Walnice deixa inevitável o entendimento de uma mensagem possível do conto: todos nós morreremos e não obtemos a possibilidade de assim não o fazer, o que está ao nosso alcance é apenas aceitar ou não esse momento, como fizeram o pai e o filho, respectivamente.
Sendo assim, podemos perceber que ao tratarem desse conto de João Guimarães Rosa, Luiz Costa Lima e Walnice N. Galvão tomam posições de confluência, apesar de não expressadas com as mesmas palavras: ambos analisam os personagens por sua habilidade de aceitar ou não sua conclusão do ciclo vital, concordando que a atitude primeira do Pai é contrária à reação final do filho.


*Esse texto é um trabalho baseado no conto A Terceira Margem do Rio, presente no livro Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa, e nas análises do mesmo feitas por Walnice N. Galvão e Luiz Costa Lima.

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